Amar não é para todos

Ivan Martins, no artigo Amar não é para todos publicado na Revista Época essa semana, pergunta:

[…] você já gostou de alguém a ponto de deixar algo de lado por ele ou por ela? Já se percebeu duradouramente conectado a outro ser humano, de forma que ele deixasse de ser um estranho? Já sentiu que vida de alguém o preocupava – e o atingia – quase como se fosse a sua própria vida?
Quem consegue dizer sim a isso tudo e não está numa relação imaginária – ou platônica – com a pessoa do andar de cima, parabéns. Ao contrário do que diz a lenda, esse negócio de amor não é para todo mundo.

Creio eu que isso, caríssimo Ivan, não é amor. É limerência.

A Origem do Amor

A estrada da evolução humana é repleta de corações partidos.

Por: Meera Lee, originalmente publicado em inglês no site Being Human. Tradução: Isolda Paixão.

“Quase ninguém”, diz a antropologista e pesquisadora de gênero e sexualidade Helen Fisher, “escapa vivo do amor”.  Uma vez que a dor emocional que acompanha tantos entrelaçamentos românticos é extraordinariamente comum, todos nós sabemos exatamente o que ela quer dizer com isso. Onde a teoria sobre corações partidos de Fisher difere da nossa própria abordagem é que ela dedicou cerca de 30 anos à investigação científica de uma pergunta que a maioria das pessoas se faz, em algum momento, na calada da noite:

Por que insistimos na dor da paixão?

Em um famoso experimento projetado em 2005 para vislumbrar como a adoração funciona no cérebro, Fisher recrutou 17 jovens, entre homens e mulheres, que se descreveram como “intensamente apaixonados”. Em seguida, ela usou scanners de ressonância magnética para observar a atividade neurológica enquanto cada indivíduo visualizava uma foto de seu bem-querer ou uma imagem de outra pessoa conhecida, mas que não despertava sentimentos fortes.

Fisher descobriu que olhar para alguém que você ama desencadeia atividades na área tegmental ventral direita e no núcleo caudado direito: duas regiões do cérebro fortemente associadas ao prazer, à recompensa e a um sistema de motivação. Em outras palavras, estar apaixonado tem alguma coisa em comum com aprender uma língua, ir à academia ou se tornar viciado em comer bolo de chocolate depois do almoço: sempre que damos um passo na direção do gol, ganhamos uma pequena dose de dopamina.

Mapeando em seguida o cérebro de pessoas recém-rejeitadas, Fisher descobriu que exatamente as mesmas regiões são estimuladas quando os voluntários observam imagens de seus ex-parceiros. Isso acontece, ela explica, porque os canais de recompensa em nosso cérebro de fato tornam-se mais ativos quando não podemos obter o que desejamos. Neste caso, o prêmio máximo da vida: um parceiro apropriado para o acasalamento. No cérebro de quem tem um coração partido, contudo, o núcleo accumbens também entra em ação. Esta região está associada ao cálculo de ganhos e perdas, principalmente quando estamos tentando decidir se devemos ou não correr grandes riscos.

De uma certa forma, tais resultados chegam a ser um insulto para aqueles de alma romântica. Em uma cerimônia de casamento, ninguém quer ver os noivos como jogadores sentados lado a lado em uma metafórica mesa de blackjack, e é também um tanto desconfortável pensar na paixão como uma resposta pavloviana: algo que somos obrigados a fazer em resposta ao estímulo adequado.

Mas talvez este trabalho nos enerve precisamente por fazer sentido, intuitivamente, para nós. Cientificamente, faz sentido também. A evolução é um processo econômico. Dada a existência de um sistema neural já em uso para direcionar o comportamento de um organismo de forma benéfica, seria muito surpreendente se uma estrutura ou um padrão de atividade inteiramente originais fossem desenvolvidos apenas para que a gente pudesse se apaixonar.

**

Veja uma palestra de Helen Fisher sobre Human Relationships na conferência Being Human 2013.

Never more

11/09/2001

Naquele dia, a televisão me apresentou a melhor metáfora para o que acontecia dentro de mim: meu mundo ruindo, do nada, sem sentido. Estava incrédula com o desabamento de nosso relacionamento, o fim daquele amor todo, o inacreditável, o terror. Hoje, também estou incrédula. Foi só tomar a decisão de tirar você de minha vida, e eis que a vida me dá um presente: como há muito, ou como nunca, me sinto viva, alerta, pulsante, cheia de tesão e vontade de viver. Inesperadamente, do nada, o inacreditável, o amor. Ainda sem sentido.

6 de setembro

A manhã chuvosa imita, nessa sexta, o clima aqui dentro do peito. Pela janela, vejo refletida a mesma paisagem interna de quase todos os seis de setembro desde dois mil e um. Calafrios. Pressenti, naquela quinta-feira, a tempestade que assolaria a minha vida, sem ainda me dar conta que 12 anos mais tarde minha alma ainda estaria assim, tão nublada. Mas setembro já foi mais triste do que hoje, quando só choramingo, de pé, sem me afogar em lágrimas. Nesse setembro, em especial, há mais amadurecimento e compreensão. Mais luz, menos trevas. Nessa nossa última separação, tão diferente daquele setembro, me sinto fortalecida em meu próprio eixo. A distância ajuda, imagino que o impossível também. Você aí, do outro lado do mundo; eu cá buscando ser feliz em um mundo estranho. Enquanto é quase primavera para você, para mim começa o outono: vejo de minha janela um mundo revestido de beleza e tristeza, de recolhimento e abandono. Bem como sinto setembro, desde dois mil e um.

O outono chegou.

O outono chegou. Foto: Leandro Pérez (CC BY-NC-ND 2.0)

O fim

Então, está combinado, tudo acabado entre nós. A partir de hoje, não me venha mais com sua limerência, sua conversinha doce, acabou a espera, terminou compromisso, chega de “namorico à distância”. Precisei dar o primeiro passo para que essa última conversa acontecesse, e só assim, dando susto, vi você reaparecer. Isso me indigna ainda mais, sabia? Ficou até parecendo que foi decisão minha, né? Pouco importa, foi você quem sumiu no mundo, me poupe de suas desculpas, não é disso que preciso, tá? Mesmo porque seu sumiço me fez um grande favor, abriu meus olhos para que eu visse o quanto ainda sou aquela menina tola que coloca a felicidade em suas mãos e implora para você não apertar muito. Sei que você sabe que eu só trouxe para a consciência plena o que estava na penumbra, esse minguamento, esse desligamento dolorido a conta-gotas. Claro que você nega, como sempre, claro que tem mil alegações na ponta da língua, que só me engasgam. Ouvi sua voz e não senti firmeza nenhuma em suas palavras, ecoaram todas vazias em meus ouvidos, cansados. Suas desculpas já não convencem mais esse coração aqui, arranhado, sofrido, desenganado. Deja vu? Ah, meu bem* (*favor notar o tom irônico), mas não quero mais não, não quero mais nada contigo, até que eu seja livre, totalmente livre, até que nem uma gota de minha felicidade esteja em suas mãos. Aí sim, se o destino quiser, eu decido. Ah, mas como vai demorar. Não foi nos últimos 15 anos, não será em janeiro, talvez nem seja nessa vida. Mas só por hoje, me sinto forte, por conseguir colocar um ponto final nessa sem-cabimentisse toda que tanto me consumia. Sei que não foi o primeiro, mas dessa vez não é reticências nem ponto e vírgula. Abra o olho: acordei. O sentimento continua, mas nosso amor ‘pra sempre’ vai ficar para outro dia.

Limerência e codependência

Limerência e codependência dormem na mesma cama e comem na mesma mesa. Para ambas, não há remédio melhor do que uma boa dose de autoconhecimento, acompanhada do compartilhamento de experiências com outras pessoas que sofrem com a mesma “doença”. Juntos, somos fortes.

A diferença é sutil: enquanto a palavra codependência descreve a “inabilidade de manter e nutrir relacionamentos saudáveis com os outros e consigo mesmo”, ou seja, aplica-se a todos os tipos de relacionamentos (família, amigos, etc), a limerência é uma tendência a uma dependência específica de um determinado tipo de relacionamento: o vício do amor romântico. Ou seja, segundo meu entendimento, a pessoa limerente é codependente, embora nem todos codependentes sejam necessariamente limerentes.

Se você sofre por causa de relacionamentos, vale a pena investigar o que codependência é, e em seguida fazer uma auto-reflexão honesta em cima de seus padrões e características. São 22 itens, divididos entre padrões de negação, de baixa autoestima, de conformidade e de controle. Em caso de dúvidas, esta lista mais simples ajuda no auto-diagnóstico. Confesso que fiquei surpresa com minha pontuação nos padrões: 13, pelo menos. Na segunda lista, também deu 13 (acho que vou jogar no galo!). Bastava ter emplacado apenas 4 pontos para o “diagnóstico positivo”. Fui procurar ajuda.

Esses padrões foram compilados pelo CoDA – Codependentes Anônimos, “uma irmandade mundial de homens e mulheres que se reúnem para resolver seus problemas comuns e individuais de codependência”. No Brasil, o CoDA existe desde 2007, embora haja apenas alguns poucos grupos promovendo encontros semanais para pessoas que queiram “aprender a desenvolver relacionamentos saudáveis”. Qualquer pessoa, no entanto, pode iniciar um grupo em sua cidade com o apoio da rede nacional. Seria uma ótima forma de transformar a dor em algo produtivo!